quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O desejo de Paz - (www.dhnet.org.br)

A objeção de consciência na construção da Paz


Marcelo Barros*



Todo mundo diz que deseja a paz. Até Bush diz fazer guerra para conseguir a paz. Cada vez mais no mundo, cresce o número de pessoas que percebem e testemunham: a paz e a justiça nunca poderão ser alcançadas com a força das armas. Só o diálogo e o respeito ao diferente podem construir as bases de uma sociedade nova. Crentes das mais diferentes religiões e caminhos espirituais, como também pessoas que simplesmente crêem na vida e apostam no ser humano consagram-se à paz pelo caminho da "objeção de consciência", ou seja, a decisão de negar-se a pegar em armas, no serviço militar ou em qualquer outra atividade. Como a produção de armas continua sendo um dos negócios mais rendosos do mercado internacional, quem pratica objeção de consciência continua tendo dificuldade de ser compreendido e aceito em sua opção de paz.



Em Israel, Jonathan Ben Artzi, 20 anos, sobrinho do ex-ministro Benjamin Netanyahu, está preso por ser objetor de consciência. Ele é um dos milhares de jovens israelitas que se negam a participar das operações militares contra palestinos. Camilo Mejía, filho do famoso compositor nicaragüense Carlos Mejía Godói, está preso nos Estados Unidos. Como cidadão norte-americano, foi mandado ao Iraque em 2003. Ali não aceitou obedecer a um general que lhe passou a ordem de ameaçar física e psicologicamente um prisioneiro iraquiano, afim de obter informações. Nos EUA, mais de cinco mil jovens, objetores de consciência, tiveram seus direitos civis cassados e muitos estão presos. Durante a invasão ao Iraque, alguns jornalistas arriscaram-se a perder o emprego, mas se negaram a divulgar notícias que incentivassem o ódio e o racismo. Na Inglaterra, estudantes de Medicina se declararam em "objeção de consciência" para não praticar experiências clínicas com animais vivos. Um bispo católico confessou praticar a objeção de consciência e a desobediência civil contra a autoridade eclesiástica, se ela der ordens contrárias aos direitos humanos ou ao amor evangélico.



Cada civilização tem termos que são tabus. É comum que elementos em uma época e situação aceitos, em outra podem ser inconcebíveis. Tomemos, por exemplo, o incesto. Houve culturas que o toleravam. Para o mundo atual é uma aberração inaceitável. A objeção de consciência revela que a guerra deve ser uma coisa assim: algo que a humanidade não pode conceber como não deve transigir, hoje, com o incesto, a pedofilia, a escravidão humana, o racismo e outros crimes sem nome.



A objeção de consciência existe desde o mundo antigo quando a Igreja cristã se opôs ao serviço militar obrigatório com armas e se negava a participava do culto ao imperador, chamado de "filho de Deus". Nos primeiros séculos do cristianismo, soldados convertidos ao Evangelho como Marcelo, Massimiliano e outros foram condenados à morte e martirizados por se negarem a pegar em armas. Entretanto, só no século XIX, escritores aprofundaram o direito das pessoas desobedecerem a uma ordem imperial ou jurídica por motivo de fé ou de consciência. Os nomes mais famosos são Henry David Thoreau que escreveu "A Desobediência Civil" e, na Rússia, Leon Tolstoi, o maior apóstolo da objeção de consciência contra ordens iníquas do Czar e do exército imperial.



No século XX, pela força da espiritualidade e pela prática da não violência, o Mahatma Gandhi deu à objeção de consciência e à desobediência civil um estatuto consagrado. Na Itália, Lanzo del Vasto o seguiu no testemunho contra o fascismo, na denúncia da tortura e dos campos de concentração. Nos Estados Unidos, o pastor Martin Luther King usou a mesma força espiritual contra o racismo e a discriminação sofrida pelos negros. No Brasil, a ditadura militar parecia ter mais medo de Dom Hélder Câmara com seu movimento de pressão moral libertadora do que dos grupos armados de esquerda.



A objeção de consciência é um direito reconhecido pela ONU que fez do 15 de maio o dia internacional dos objetores de consciência. A objeção de consciência é válida quando uma norma jurídica ou de autoridade pública agride a ordem social. É o caso, por exemplo, de soldados que recebem ordem para invadir acampamentos e ameaçam a vida e a paz de senhoras, crianças e pessoas doentes apenas para garantir o direito de propriedade que, neste caso, passa acima do direito à vida e à segurança das pessoas. Internacionalmente, a objeção de consciência é permitida quando o não cumprimento de ordens decorre do foro íntimo e da consciência religiosa ou ética da pessoa. Conforme a ONU, quem faz objeção de consciência deve oferecer outra alternativa de ação pacífica. Em vários países, desde meados do século XX, existem serviços militares alternativos, através dos quais os objetores de consciência cumprem sua obrigação como auxiliares em instituições filantrópicas, enfermeiros e outras profissões humanitárias.



Nestes dias, o cardeal Trujillo, presidente da Comissão de Defesa da Família no Vaticano e o cardeal Ricard Carlés, da Espanha, exortaram funcionários públicos e juízes da Espanha a praticar "objeção de consciência" e não assinar a oficialização da união gay, permitida pela lei espanhola. Estes cardeais não pregaram objeção de consciência aos militares, espanhóis e italianos, forçados por seus governos, a invadir o Iraque com as tropas norte-americanas em 2003.



No Brasil, a Constituição de 1988 legisla que o serviço militar é obrigatório. Entretanto, em tempos de paz, o jovem pode servir à pátria através de um serviço militar alternativo (artigo 143, parágrafo 1). A Lei 8239 de 04 de outubro de 1991 e a portaria do EMFA n. 2681 de 05 de agosto de 1992 dispõem sobre este serviço de paz. Infelizmente, este direito constitucional é pouco divulgado. A maioria dos jovens brasileiros não sabe que pode cumprir serviços alternativos que, no Brasil, precisam ainda de ser melhor organizados. É importante divulgar e esclarecer as pessoas sobre este direito, como é importante recordar a "objeção de consciência" para avaliarmos em que medida agimos de forma coerente com o que pensamos. Edward Abbey dizia: "O sentimento sem conseqüência na ação concreta é a ruína da alma". O Mahatma Gandhi ensinava: "Seja você a mudança que propõe ao mundo".





* Monge beneditino e autor de 26 livros.

Email: mosteirodegoias@cultura.com.br

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